14.9.08

Ensaio Sobre a Cegueira

Não li tudo o que saiu sobre o novo filme de Fernando Meirelles, mas as análises que eu li me deixaram intrigada. Dois jornalistas criticam o fato de Meirelles ter se mantido muito fiel ao livro de José Saramago. Avaliam a fidelidade como negativa, dizem que ele deveria ter ousado mais. Às vezes eu não entendo esses críticos. Aposto que se o diretor tivesse ido muito além do livro, seria igualmente criticado por isso.

Parece que Saramago gostou do resultado na tela:



Eis minhas humildes impressões:

Em Ensaio Sobre a Cegueira, personagens sem nome e sem passado são acometidos por um doença misteriosa que faz com que todos fiquem cegos, à execeção de uma mulher, chamada pelo autor de "a mulher do médico". Eles são mantidos em quarentena em um manicômio. Sem o menor auxílio do governo, vivendo em condições sub humanas, se forma ali uma sociedade paralela que estabelece regras próprias. No limite da sobrevivência, aquelas pessoas passam a relativizar os valores morais e materiais. Resgatam sentimentos nobres, como a solidariedade e o altruísmo. Mas também escancaram seus lados mais podres, a ambição, o oportunismo.

O 'ver e não enxergar' de Saramago, como metáfora das relações sociais, é levada à tela por Fernando Meirelles com aspecto visual forte. As imagens são muito claras. A iluminação é estourada. Os planos são muitas vezes mal enquadrados e sem foco. O diretor pretende provocar no espectador uma sensação parecida com a dos personagens.
"A partir de um certo momento nós usamos muito reflexo. Então, às vezes vocês está vendo a imagem, acha que é real, mas é a imagem virtual, a imagem que está partida em dois, três... Muitos planos mal enquadrados, como se a câmera estivesse sendo operada por uma pessoa cega. Esses truquinhos todos foram soluções para colocar o espectador nesse mundo da cegueira."

O aspecto muito branco envolveu também a protagonista do longa, a atriz Julianne Moore.
"No nosso primeiro encontro, Fernando me disse: eu acho que você deveria engordar um pouco e cortar o cabelo. Eu concordei. Eu achava que a personagem deveria ser loira e ele disse: não, não. Mas eu não contei pra ele que eu sou loira, de qualquer forma. Eu sentia que a personagem tinha que ser loira. Seria perfeito, por causa da palidez do filme."

A sonoridade também é muito salientada em Ensaio Sobre a Cegueira. Buzinas de carro, freadas bruscas, o despertador, o liquidificador ligado. O som disso tudo é muito aguçado, o volume é alto, como se para compensar a falta de visão. Uma campainha, uma sineta, está presente durante todo o filme para "avisar" o espectador de que mais alguém ficou cego. Com o som, e não a imagem, evidenciado, até uma cena de sexo se torna sutil.

As cenas externas foram filmadas em uma São Paulo sem identidade, quase irreconhecível. E um presídio canadense desativado foi transformado no manicômio.

Ensaio sobre a Cegueira é uma co-produção de Brasil, Japão e Canadá. Traz no elenco além de Jullianne Moore, Mark Rufalo, Dennis Glover, a brasileira Alice Braga e o mexicano Gael Garcia Bernal (em quem você vai ter vontade de dar um tiro).

Quase sempre que uma obra literária é adaptada para o cinema, se diz que o livro é melhor do que o filme. S você leu o livro de Saramago, faça a sua comparação. Se não leu, é bem possível que você saia do cinema e passe em uma livraria.

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