14.9.08

Linha de Passe

O filme de Walter Salles e Daniela Thomas conta a história de uma família: Cleusa, papel de Sandra Corvelone – que ganhou a Palma de Ouro em Cannes - e os quatro filhos dela moram em Cidade Líder, bairro da periferia de São Paulo. Vinícius de Oliveira, de Central do Brasil, desta vez interpreta Dario, um jovem que sonha em ser jogador de futebol profissional. As peneiras nos clubes, nas quais ele nunca é aceito, é que marcam o tempo da narrativa do longa.

Dênis é motoboy, pai ausente de um bebê e não consegue sustentar o filho porque precisa acabar de pagar a moto. Dinho trabalha como frentista e no tempo livre vai louvar a Deus em um templo evangélico. O caçula e único filho negro é Reginaldo, que vive em busca do pai, um motorista de ônibus que ele não sabe quem é. E Cleusa, grávida, tenta criar todos eles da melhor forma. Trabalha como empregada doméstica e é dispensada pela patroa no final da gestação. Sutilmente, as histórias de todos eles se entrelaçam, mas o filme não tem propriamente um fio condutor, um começo-meio-e fim. É como se fosse um recorte aleatório em algum momento da vida daquela família.


A força de Linha de Passe está nas interpretações realistas dos atores, quase todos desconhecidos. Além de Sandra Corvelone e Vinícius de Oliveira, fazem parte do elenco João Baldasserini – Denis -, José Geraldo Rodrigues - talvez o melhor deles, como Dinho – e o menino Kaique de Jesus Santos – Reginaldo – uma feliz descoberta de Fátima Toledo, preparadora de elenco, em uma ONG do Capão Redondo, bairro aonde ele mora.

Na primeira cena de Dinho, ele está em um culto evangélico, entoando um canto que traduz bem a intenção dos cineastas com o longa. Os versos falam que os fiéis devem se livrar do complexo de inferioridade e mostrar o valor que têm. Daniela Thomas diz que os personagens de Linha de Passe estão em busca da própria reinvenção.
“É essa idéia da luta entre o desejo e a oportunidade. O homem contra a cidade, né, lutando pra tentar ser visto, pra ser enxergado, pra ter oportunidade, pra poder ser feliz.”


É também um filme sobre a invisibilidade de uma classe social em relação a outra, o que fica bem claro na cena em que um homem dirigindo um carro importado bate na moto de Dênis. Sobre isso a atriz Sandra Corvelone acredita que o filme pode fazer o espectador refletir.
“Quantas pessoas vão trabalhar na sua casa e você não sabe nem o nome, você não sabe o que acontece na vida daquela pessoa. Tem gente que é capaz de pagar 2 mil reais por uma bolsa, 5 mil reais por um par de brincos e pechincha para pagar uma diarista. Isso é o cúmulo, é o fim da picada!”

Linha de Passe pode ter diferentes leituras. Em uma delas, o filme desfaz a associação cada vez mais freqüente entre pobreza e criminalidade (o filme não mostra sequer uma arma), já que os personagens buscam o melhor caminho para sobreviver na periferia, lugar aonde impera o fanatismo, seja religioso ou futebolístico, e os jovens honestos são muitas vezes tidos como trouxas.

Por outro lado, pode reforçar a idéia de que essa busca pela reinvenção, pelo melhor caminho, é em vão, porque a classe baixa sempre é esmagada pela mais alta. E, assim, a frustração nessa busca e a falta de alternativa justificam qualquer atitude.


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